terça-feira, 16 de novembro de 2010

Comentários sobre a obra "Romanceiro da Inconfidência" de Cecília Meireles

São versos escritos em redondilha maior (verso heptassílabo = sete sílabas poéticas). Sem rimas externas regulares (versos brancos), e a exploração da camada sonora, através de aliterações e assonâncias, conferem à Fala Inicial um tom enfático, declaratório, reforçado pelas exclamações e interrogações.
Existe musicalidade nos versos, uso de símbolos e apelos sensoriais, características comuns na poesia neo-simbolista. A herança simbolista e o espiritualismo: um ar de mistério, de crença no imaterial, no extraterreno, perpassa todo o poema. O culto do etéreo, das palavras aéreas marca a ânsia de dar forma ao informe. Expressões como: atroz labirinto de esquecimento, mistério, esquema sobre-humano, silenciosas vertentes, inexplicáveis torrentes instauram um halo espiritualista de crença no imaterial.
"Descem fantasmas dos morros,
vêm almas dos cemitérios:
todos pedem ouro e prata,
e estendem punhos severos,
mas vão sendo fabricadas
muitas algemas de ferro"
Aqui vemos o ciclo do ouro retratando a busca incansável por ouro e o resultado disso: cobiça, vaidade, ganância, violência, roubo, prisões.
todos pedem ouro e prata,
e estendem punhos severos
Eis o retrato da violência!
O tom evocativo: o mergulho no passado, no atroz labirinto do tempo, nas ressonâncias incansáveis de Vila Rica revela a ânsia da procura de um significado para os fatos:
Ó meio-dia confuso
ó vinte-e-um de abril sinistro,
que intrigas de ouro e de sonho
houve em tua formação?
Quem condena, julga e pune?
Quem é culpado e inocente?
É como se a poetisa, evocando Tiradentes na força, questionasse a casa do martírio. Foi a ambição do ouro? Foi o sonho de liberdade que iluminou aquela gente?
O tom inquiridor: o clima de mistério e ansiedade, as lacunas históricas incontornáveis e a busca de um sentido para os fatos projetam-se nas interrogativas que surgem a cada momento.
Revelando o mistério que envolve até hoje o "embuçado" e a morte de Cláudio Manuel da Costa, o Romance XXXVIII é composto só de interrogações. O embuçado teria sido um mensageiro mascarado, disfarçado, que viera para tentar salvar Cláudio Manuel da Costa:
Homem ou mulher? Quem soube?
Veio por si? Foi mandado?
A que horas foi? De que noite?
Visto ou sonhado?
A dualidade: reflete a ambivalência ou ambigüidade que caracterizam as ações do homem - herói e traidor, ódio e amor, punhal e flor, bons e maus, riqueza e miséria. Observe, na Fala Inicial:
amores x ódios (v.4);
intrigas de ouro e de sonho; (v.19);
culpado x inocente (v.22);
castigo x perdão (v.24),
coroas x machados (v.31);
mentira x verdade (v.32);
ruínas x exaltação (v.43).
Ganham relevo as passagens que refletem a dualidade entre a justiça e a tirania, entre a liberdade e a opressão:
Em baixo e em cima da terra
o ouro um dia vai secar.
Toda vez que um justo grita,
um carrasco o vem calar.
Quem sabe não presta, fica vivo,
quem é bom, mandam matar. (Romance V)
Ai, terras negras d´África,
portos de desespero...
- quem parte, já vai cativo;
- quem chega, vem por desterro. (Romance LXVII)
Neste fragmento, a autora tece considerações de como foi composto seu Romanceiro da Inconfidência. A este respeito, ela aborda os limites entre a criação literária e a História, mostrando os limites e as relações entre ambas:
“(...)
Assim, a primeira tentação, diante do tema insigne, e conhecendo-se tanto quanto possível, através dos documentos do tempo, seus pensamentos e sua fala seria reconstruir a tragédia na forma dramática em que foi vivida, redistribuindo a cada figura o seu verdadeiro papel. Mas se isso bastasse, os documentos oficiais com seus interrogatórios e respostas, suas cartas, sentenças e defesas realizariam a obra de arte ambicionada, e os fantasmas sossegariam, satisfeitos. Nesse ponto descobrem-se as distâncias que separam o registro histórico da invenção poética: o primeiro fixa determinadas verdades que servem à explicação dos fatos; a segunda, porém, anima essas verdades de uma força emocional que não apenas comunica fatos, mas obriga o leitor a participar intensamente deles, arrastado no seu mecanismo de símbolos, com as mais inesperadas repercussões. Ainda que se soubessem todas as palavras de cada figura da Inconfidência, nem assim se poderia fazer com o seu simples registro uma composição da arte. A obra de arte não é feita de tudo mas apenas de algumas coisas essenciais. A busca desse essencial expressivo é que constitui o trabalho do artista. Ele poderá dizer a mesma verdade do historiador, porém de outra maneira. Seus caminhos são outros, para atingir a comunicação. Há um problema de palavras. Um problema de ritmos. Um problema de composição. Grande parte de tudo isso se realiza, decerto, sem inteira consciência do artista. É a decorrência natural da sua constituição, da sua personalidade por isso, tão difícil s·e torna quase sempre a um criador explicar a própria criação. Quanto mais subjetiva seja ela, maior a dificuldade de explicá-la é quase impossível chorar e perceber nitidamente o caminho das lágrimas, desde as suas raízes até os olhos. No caso, porém, de um poema de mais objetividade, como o "Romanceiro", muitas coisas podem ser explicadas, porque foram aprendidas, à proporção que ele se foi compondo.

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